Um estudo de caso de B. F. Skinner sobre o método científico

por Carlos Eduardo Costa (Caê)


Já ouvi muitos alunos de Psicologia dizerem: “há mais disciplinas de behaviorismo do que de outras abordagens no meu curso”. Quando pergunto quais disciplinas, é comum que esses alunos me respondam: Estatística; Metodologia (científica ou de pesquisa) entre outras tantas matérias biológicas!

Estatística, metodologia e disciplinas biológicas não são “partes” do conhecimento próprio do Behaviorismo Radical!

Uma apresentação de um texto de Skinner pode ajudar a esclarecer, pelo menos em parte, esta questão.

A Case History in Scientific Method

artigo-skinner-1956Pretendo falar sobre um texto de Skinner que já citei em outro post: “A Case History in Scientific Method“. Ele foi primeiro publicado como um artigo do American Psychologist (1956, vol. 11, pp. 221-233) e, depois, fez parte do livro “Cumulative Record: A selection of papers“. A versão do texto que li para este post é a da 3ª edição do Cumulative, de 1972. Devo alertar que não pretendo resumir o texto de Skinner. Meu objetivo é contar um pouco do que trata o texto para que você leia-o. Vale muito a pena!

O aspecto mais importante é que ele rompe com a ideia de que as descobertas científicas são sempre fruto de um trabalho metódico, sistemático e bem planejado. É preciso ter método para produzir ciência, mas esse método não é, necessariamente, aquele descrito nos manuais.

Algumas considerações sobre o método formal e a análise estatística

Nas primeiras páginas, Skinner cita uma frase de um artigo de Richter (1953), publicado na Science: “Algumas das mais importantes descobertas têm sido feitas sem qualquer plano de pesquisa“. A proposta de Skinner, neste texto, chega a parecer uma proposta anarquista do método científico!

…ciência não progride por passos cuidadosamente delineados chamados “experimentos”, cada um dos quais com um início e fim  bem definidos. Ciência é um processo contínuo e, frequentemente, desordenado e acidental (Skinner, 1972, p. 122).

Um dos pontos que Skinner (1972) aborda é que a reconstrução formal de uma descoberta científica não descreve o processo da descoberta. Para Skinner os métodos formais descritos em disciplinas como Estatística e Método Científico podem ser considerados “exemplos” de métodos em ciência, mas não O método científico.

Não era tanto uma questão de ser “contra” a análise estatística. Para Skinner, ela tinha (e tem) seu valor. Mas, Skinner (1972) argumentava ela não devia ser considerada a essência da ciência:

Técnicas estatísticas servem a uma função útil, mas elas tem adquirido um status puramente honroso que pode ser problemático. Sua presença ou ausência tem se tornado uma senha para ser usada para distinguir o bom do mau trabalho (Skinner, 1972, p. 120).

Então, Skinner, que havia sido instigado a descrever e analisar suas atividades como um pesquisador em Psicologia, decide contar sua história como pesquisador iniciante. Ao longo dessa narrativa (um estudo de caso), Skinner expõe cinco princípios da prática científica, não formalmente reconhecidos por aqueles que descrevem a metodologia científica.

Cinco princípios da prática científica, segundo Skinner

skinner-in-labPerceba como os cinco “princípios” de Skinner estão interligados.

1. Quando você descobrir qualquer coisa interessante, pare o que está fazendo e estude isto.

Ou seja, se estiver observando o comportamento e algo “estranho”, que você não entende, ocorrer (de forma mais ou menos sistemática), comece a dar atenção a este fenômeno. Coloque de lado, pelo menos por algum tempo, seu problema original.

2. Algumas maneiras de fazer pesquisa são mais fáceis do que outras.

skinner-experimentando-2Se há um modo de tornar sua coleta de dados mais fácil, faça-o! Isso implica na construção de aparatos (aparelhos) e instrumentos. Ao mudar o modo como a coleta e dados é feita, você pode se deparar com questões importantes. Veja o item anterior. As caixas operantes (conhecidas como Caixas de Skinner) e o registrador cumulativo só surgiram porque Skinner seguiu este seu princípio!

3. Algumas pessoas têm sorte.

As vezes algumas ideias surgem de forma relativamente casual, como por “sorte”. Skinner conta como uma parte de uma peça (o eixo de um disco de madeira) que ele usou para a liberação de pelotas de comida lhe deu a ideia para uma nova forma de registrar os dados de sua pesquisa (o registrador cumulativo). Mas, sobre esse princípio, não podemos esquecer uma das máximas de Pasteur: “A sorte favorece as mentes preparadas“.

4. Aparatos (aparelhos) algumas vezes quebram.

extiction-curveSe você tiver sorte, se tiver uma “mente preparada”, se for capaz de largar o que está fazendo para prestar atenção à outros dados que estão surgindo e o aparelho de sua pesquisa falhar, não se desespere! Pode ser o início de uma grande jornada. Quando o liberador de comida dos ratos de Skinner quebrou e o comportamento dos ratos, que produzia comida, deixou de produzi-la, ele olhou os resultados e passou a estudar as curvas resultantes: era a “descoberta” da Extinção! Agora, imagine o que ocorreria se ele chutasse os aparelhos, jogasse os dados fora e começasse novamente porque o experimento “não saiu como o planejado”.

5. Serendipity: a arte de encontrar uma coisa quando se está procurando outra.

Neste ponto, você já deve ter percebido como o exemplo do princípio anterior se encaixa aqui. Skinner conta como que, procurando um método que mantivesse o nível de privação do rato constante, passou a liberar as pelotas de comida depois de um número fixo de respostas. Ele não conseguiu nada do que queria sobre o estado de privação do rato, mas percebeu a regularidade da curva de respostas de pressão à barra. Passou então a estudar o programa de reforço em razão fixa. Ver também o primeiro princípio. Podemos dizer que um pouco de desordem ajuda a criatividade.

Considerações finais

Skinner (1972) não estava defendendo que a ciência é uma arte, no sentido de que não possa ser planejada. Sua crítica foi principalmente com a redução de ciência à estatística. A ciência se beneficia muito da estatística. Todavia, ciência não é estatística! Como em qualquer empreendimento humano, devemos fomentar variação, sobre a qual a seleção por consequências vai operar. Ensinar apenas uma maneira de se fazer ciência (e de se coletar os dados) e dizer que esta maneira é A ciência foi o que Skinner criticou.

O organismo cujo comportamento é mais extensivamente modificado e mais completamente controlado … é o próprio experimentador (p. 122).

Em outras palavras, como qualquer comportamento habilidoso, o comportamento científico deve ser modelado pelas contingências (selecionado por suas consequências) e não completamente governado por regras, mesmo que sejam regras dos manuais científicos. Para ser um CIENTISTA é preciso ir além do aprendizado inicial dos manuais. É preciso se expor às contingências do fazer ciência! E variar!

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